O que desejamos em última análise? Paz!
Os resultados das últimas eleições, um empreendimento democrático e justo, trouxeram novos ventos de esperança para uns e temor para outros. Este artigo, porém, não visa a um posicionamento político-partidário, e, sim, filosófico.
Nunca podemos subestimar a capacidade humana do bem e da verdade, representados pelos valores que o homem defende. Neste momento, também é patente o desejo de dialogar, somando luzes, mais do que opor-se, em uma eterna discórdia a partir de slogans vazios, uma vez que, muitas vezes, aqueles que os pronunciam de forma instigada mal sabem o que significam as palavras que expressam ou os porquês de suas lutas, movidos, como diria Hannah Arendt, por uma “massa atomizada”, em que há justaposição, contudo o indivíduo é solitário e sempre insatisfeito.
O povo pode estar esgotado, todavia sempre pode renascer como uma fênix, assentando as bases em sua própria essência: a relacionalidade. Por caminhos pacíficos, sem discursos de ódio, de forma prudente e humilde, com desculpas e meaculpas, a ordem irá se estabelecendo até que cheguemos à paz que se define como a tranquilidade - ou estabilidade - nessa mesma ordem. Por outro lado, a atitude mansa e dialógica gera harmonia e felicidade, uma vez que, como afirma o filósofo Sören Kierkegaard, a porta da felicidade abre para fora, ou seja, por sua natureza relacional, o ser humano só se estabiliza realmente se aberto à comunidade. Nesse sentido, também é surpreendente palpar novamente a verdadeira preocupação popular por servir a Nação; construir um país melhor para as gerações futuras; renovar a educação; fortalecer o sentido de justiça, como vontade constante de dar a cada um o que lhe é devido etc., em que os novos “problemas” serão bons: administrar o desenvolvimento! Para tal, no entanto, será preciso resistir com paz para construir a paz.
Esse trabalho conjunto deverá talvez começar por renovar as relações, uma vez que nunca houve tanto desrespeito e calúnia disseminados em velocidade tecnológica, gerando perturbação, intolerância, rancor e desconfiança, entre outras antíteses da paz. E esta renovação começa pelo verdadeiro motor de nossas ações e intenções: o próprio coração, no micro e no macro, a começar do nosso lar e do nosso ambiente de trabalho, como primeiras comunidades de amizade. Nesse sentido, algumas palavras escritas por Etty Hillesum, no campo de Westerbork, durante a 2ª Guerra Mundial, e compiladas por Jacques Philippe, um expert em paz, podem nos ajudar a refletir:
“No campo, senti, com toda minha alma, que o menor átomo de ódio acrescido a este mundo o torna mais inóspito. E penso, talvez com ingenuidade pueril, mas tenaz, que, se esta terra se tornar um pouquinho mais habitável, será unicamente devido ao amor (...). Não creio que possamos corrigir seja o que for no mundo exterior se não o tivermos corrigido antes em nós. A única lição desta guerra é aprendermos a olhar para dentro de nós mesmos”... E termina com uma boa sugestão de oposição: “A cada nova imposição, a cada nova crueldade, devemos opor um pequeno suplemento de amor e de bondade, vencendo-nos a nós mesmos”, para que, já com nossa presença, geremos a paz.
Angela Vidal Gandra Martins é doutora em Filosofia do Direito (UFRGS), sócia da Advocacia Gandra Martins, membro da Academia Brasileira de Filosofia e Professora do CEU LAW SCHOOL e da Universidade Mackenzie